A incrível geração que aprendeu a pensar fora da caixa e não pôde fazer nada com isso
“Empresas adoram falar que querem profissionais que pensem fora da caixa. Mas quando encontram esse alguém, o excluem imediatamente da caixa.” — Saulo Mileti via Daniel Padilha
Depois de infindáveis textos sobre essa tal geração Y, me sinto como quando olho horóscopo do signo de escorpião; apesar de não acreditar em nada disso, é sempre muito curioso ver o que os astros dizem sobre o futuro, e nesse signo desgraçado nunca tem coisa boa. É sério! Experimente reparar: “cuidado com a saúde”, “seu rancor pode afetar suas amizades”, “um amor pode estar chegando, mas tenha cautela”. Poxa! Será que não tem nada de bom em ser de escorpião ou da geração que tinha tudo para mudar o mundo e aparentemente não fez?
Antes de mais nada, dificilmente consigo gostar ou concordar com textos sobre essa geração, fica parecendo que todo mundo é frustrado e infeliz, quiçá corajosos, mas inquietos demais para ficar em um emprego que não os agrada. Sem contar que falam como se todas as gerações anteriores tivessem sido sinônimo de sucesso e felicidade, quando sabemos que não.
Acredito muito na expectativa em favor da satisfação. Quanto maior a expectativa, maior a necessidade de entrega. Basicamente, a satisfação está diretamente ligada ao que se espera de algo ou alguém. E assim fizeram nossos avós e pais e faremos com nossos filhos, afinal, projetar no outro nossos próprios medos e fracassos é um dos grandes trunfos da humanidade.
De todas as cláusulas que nos fizeram aceitar sem que pudéssemos olhar os termos de compromisso, a mais estranha de todas talvez tenha sido a ilusão de que as empresas precisam de pessoas que pensem fora da caixa. Esse tem sido o slogan do RH para os jovens durante muito tempo:
Procuramos jovens resilientes, pro-ativos e que pensem fora da caixa
Eu fui uma dessas jovens que acreditou na falsa promessa do encaixe perfeito e senti na pele o efeito de as empresas não saberem o que fazer com pessoas que pensam fora da caixa, que entram nas empresas buscando melhorias de processo e resultados acima da média, sendo que, na verdade, somos tidos como jovens mimados que se sentem especiais.
Essas empresas, de uma maneira geral, querem ser dinâmicas, enxutas e inovadoras, mas, no final do dia, acabam tendo processos burocráticos, falta de dinamismo e a inovação passa a ser só mais um grande argumento de comunicação que, na prática, deixa a desejar.
Como é possível pensar fora da caixa se desde o primeiro dia os funcionários recebem uma rotina bem definida e processos complexos a serem seguidos? Tem dado certo até agora, por que mudar? — dizem. E essa é a parte mais frustrante para qualquer um, por que vocês precisam de pessoas que pensam fora da caixa, se na primeira oportunidade as colocam dentro dela?
É natural que isso incomode, a maioria dessas caixas parece um baú trancado com um código mais difícil de decifrar que o Santo Graal do Da Vinci.
Apesar de o emprego dar o sustento e garantir o leitinho das crianças, isso não foi o suficiente para aprisionar os inquietos e é exatamente por isso que essa tal ‘geração de rebeldes’ começou a criar coisas fora do que estavam acostumados a lidar.
Startups? Empreendedorismo com pouca necessidade de recursos? Pensar em sustentabilidade? Tecnologias disruptivas? Parcerias e empresas colaborativas? Imagina! Isso seria morte na certa para empresas tradicionais.
E o que parecia impossível aconteceu: incentivaram tanto os jovens a pensar fora da caixa que, para muitos deles — me incluo nessa cesta –, ficou quase impossível se alimentar de um sistema convencional, mas a boa notícia é que não são todos que pensam e agem assim.
Nem todo mundo se encaixa no “faça o que ama e tenha sucesso” e, apesar da maré contrária, a maioria vive muito bem com isso. Substituindo o padrão pela liberdade, poucos conseguem encontrar um caminho de satisfação e retorno disso; sendo bem honesta, é bem raro encontrar o tal caminho.
Muitas pessoas dessa geração mantêm o mesmo emprego desde que começaram suas jornadas profissionais, não são todos que ficam pulando de emprego e empresa, trocando de objetivo todas as vezes que trocam de roupa. Tem perfil para todos os gostos e tamanhos. Não precisamos classificar todo mundo com o mesmo estereótipo, certo?
Assim como, de alguma forma, as empresas começaram a perceber que o que elas precisam mesmo é de pessoas que executem as coisas perfeitamente e que sejam excelentes em seguir os rituais e processos morosos que essas próprias empresas criaram. O que elas ainda não descobriram é o caminho para que, apesar disso, consigam se tornar mais dinâmicas e inovadoras.
Talvez a próxima geração consiga esse feito, ou apenas seja mais uma a tentar fazer o que esperamos dela sem que ofertemos ambientes favoráveis e férteis para isso.
Muitos podem dizer que essa geração não deu certo, e talvez não tenha dado sob as expectativas que criaram para ela. Dizer que uma geração deva ser capaz de mudar o mundo traz, sim, um peso muito grande e uma sensação de que eles sejam especiais. Contudo, é preciso sempre lembrar da complexidade do ser humano, do individualismo de suas escolhas e das próprias limitações.
Ainda assim, para quem consegue olhar de fora da caixa, já é possível ver as transformações que estão ocorrendo. Talvez o ambiente não tenha sido favorável e muitos tenham desistido de fazer melhorias. Mas se essa geração realmente aprendeu a ser resiliente, vai continuar tentando.
Afinal de contas, pensar fora da caixa nada mais é do que ver as coisas a partir de outras perspectivas e procurar criar novos caminhos.
Brunna Paese é consultora de negócios e estratégias e empreende na Vicky & Bardot, Formada em Administração pela Unioeste com MBA em Gestão Estratégica na ISAE/FGV