Colunistas ||| Agressivo, moderado ou conservador? Qual o seu perfil de investidor?
A primeira coisa que um gerente de banco pergunta a alguém que pretende investir é: “Você é agressivo, moderado ou conservador?” Segundo o manualzinho que eles seguem, você deve investir em ações apenas se tiver um perfil moderado ou agressivo; se você é conservador, invista apenas em renda fixa.
A ideia básica é a seguinte: “se você é cuidadoso, não invista em ações; se você é aventureiro e não se importa em falir, invista nelas!” “Você fica tranquilo se perde dinheiro? Invista em ações!” Se você é psicótico maluco e gosta de se arriscar, deve investir em ativos mais arriscados, e se é um medroso, deve fugir deles.
Besteira. O perfil do investidor é algo extremamente difícil de se definir, e depende de muito mais do que os gostos pessoais. Depende de uma combinação bastante complexa de circunstâncias objetivas.
Vamos ver a situação de duas pessoas, José e Joana. Digamos que José seja alguém que tem um emprego muito instável. Ele é um prestador de serviços em um setor cuja demanda varia sazonalmente. Ele trabalha 15 horas por dia durante 2 meses, e mal consegue trabalho por 1 mês inteiro. Joana, por sua vez, tem um emprego fixo e é estável nele porque seu sindicato tinha força e conseguiu empurrar uma cláusula no contrato de trabalho dos empregados que lhes garantia estabilidade depois de cinco anos de trabalho. Ela tem uma renda bastante satisfatória.
Mas digamos que José seja identificado pelo gerente de banco como um sujeito agressivo, que não se importa em perder dinheiro. Então, o gerente, especialista no assunto, o manda investir em ações. Tem alguma coisa errada nessa recomendação, não tem? Afinal, José pode passar um tempão sem trabalho terá que vender suas ações na cotação em que estiverem, para poder se sustentar. Se for em um período de alta, maravilha! Os bons lucros o permitirão viver algum tempo dignamente até conseguir trabalho. Mas, se os preços despencarem, José ficará em apuros!
E a Joana? Se o gerente identificar que ela tem um perfil psicológico conservador e indicar apenas o investimento em renda fixa, ela também não estará aproveitando as características de seu trabalho. Ela tem estabilidade, trabalha em uma empresa segura e tem um bom salário. Ela nunca irá precisar do dinheiro dos investimentos para se sustentar. Investir apenas em renda fixa significa que ela vai deixar de ganhar, no longo prazo, um bom lucro com o mercado de ações. Não investir em ativos “mais ariscados” significa que ela deixará de lado a oportunidade de ter, daqui a alguns anos, uma vida financeira espetacular, para se contentar com uma vida modesta. Não vai passar fome, mas dificilmente terá uma aposentadoria realmente digna.
Nessas condições, José não pode se dar o luxo de ser um investidor agressivo, ao passo que Joana não tem motivo para ser conservadora demais. José precisa de ter uma reserva financeira bastante razoável para os meses em que não consegue trabalho. Ele precisa economizar o suficiente para passar um bom tempo sem trabalhar antes de pensar em investir em ações com a tranquilidade que esse investimento demanda. E Joana pode perder todo o seu dinheiro que não lhe vai fazer falta, o que possibilita assumir um risco maior. Ela poderia guardar um dinheiro para eventuais necessidades na renda fixa e investir o restante em ações, e daqui a 10 ou 15 anos, poderia usufruir de uma rentabilidade fantástica, muito superior ao que teria na renda fixa.
Não basta que Joana seja psicologicamente conservadora ou José arrojado para que seu perfil seja definido. É preciso combinar os fatores objetivos e psicológicos para definir o perfil do investidor. Mesmo que Joana seja extremamente conservadora, ela pode investir um percentual de seu patrimônio em ações com tranquilidade. E mesmo que José seja extremamente arrojado, ele precisa ter uma bela reserva na renda fixa antes de investir em ações. Não é fácil definir o perfil de investidor, mas não é possível confiar apenas no perfil psicológico.
Fábio Portela L. Almeida é mestre em direito constitucional e mestrando em filosofia pela Universidade de Brasília e é um investidor desde 2006. Desde então, tem estudado sobre temas relacionados ao mercado como autodidata. As dificuldades encontradas para obter informações simplificadas e corretas sobre investimentos o levou a escrever o blog “O pequeno investidor“, que tem por objetivo ensinar a pequenos investidores, com uma linguagem clara e descomplicada, como funciona o mundo dos investimentos.