Colunistas ||| Porque preferir dividendos aos juros da renda fixa
Existem duas maneiras de lucrar com um investimento. A primeira delas é a apreciação do ativo. Você compra uma casa e ela se valoriza; você compra ações e os preços delas sobrem. Você compra um boi e ele tem determinadas características que o levam a se valorizar. Boa parte dos investidores, ao adquirir um ativo, acreditam que esta é a melhor maneira de ganhar dinheiro com um investimento. O problema é que, tecnicamente, não existe nenhuma maneira de prever a valorização de um investimento. As ações podem passar por um período de baixa, pode ocorrer uma crise no mercado imobiliário, o boi pode ficar doente e passar a não valer mais nada. Mas existe outra maneira de lucrar com os investimentos: os frutos que ele produz. Um imóvel gera aluguel; ações pagam dividendos; o boi gera bezerros (se você também tiver uma vaca, evidentemente!); e títulos públicos (ou fundos de renda fixa) pagam juros.
Nesse artigo, vou me concentrar em dois destes ativos: a renda fixa e as ações. Normalmente, investidores mais conservadores preferem os juros pagos pela renda fixa aos dividendos, por uma série de razões. A primeira delas diz respeito à volatilidade do mercado de ações. O raciocínio é mais ou menos o seguinte: na renda fixa, as coisas são bem estáveis. Em regra, o capital investido não se desvaloriza e gera juros periodicamente. Já no mercado de ações, tudo é mais volátil. O capital investido pode se desvalorizar abruptamente e os dividendos são bem inconstantes. Algumas empresas pagam dividendos todo mês, outras os pagam uma vez por ano (e algumas nem pagam, já que têm prejuízo). Além disso, a maioria das empresas paga muito menos dividendos do que a renda fixa paga em juros. Há títulos do tesouro direto pagando mais de 11% ao ano, e a maioria das empresas não devolve nem 5% do valor investido em dividendos.
Do ponto de vista dos rendimentos produzidos pelos dois ativos, portanto, parece que as ações perdem feio da renda fixa. Mas será mesmo?
Quando olhamos a questão pensando apenas no curto prazo, de fato é verdade que os rendimentos das ações é, em média, inferior à renda fixa. Digo “em média” porque há ações que pagam, consistentemente, mais do que 11%, 12% em dividendos e em juros sobre o capital. É o caso de empresas do setor energético, como a AES Tietê, a Coelce e a Eletropaulo, por exemplo. Mas, em média, o dividend yield (a relação entre os dividendos e o valor da ação) é bem inferior aos juros da renda fixa. Às vezes, perde até para a poupança.
Todavia, quando analisamos a questão com uma perspectiva de longo prazo, a coisa muda de figura. Ações de boas empresas – empresas cujos lucros são constantemente crescentes – pagam mais dividendos ano a ano. Toda empresa, pela Lei das Sociedades Anônimas, é obrigada a pagar pelo menos 25% de seu lucro em dividendos. Assim, se seu lucro sobe, sobe também o valor dos dividendos pagos. Vamos ver como isso funciona com um exemplo hipotético: digamos que você tenha investido em ações de uma empresa que pague 50% de seus lucros em dividendos. Suponhamos também que os lucros da empresa cresçam à razão de 12% ao ano. Digamos que você tenha comprado as ações por R$ 10,00 cada e que o lucro por ação da empresa seja de R$ 1,00. Isso significa que, no primeiro ano, a empresa te pagou R$ 0,50 por ação em dividendos, ou 5% sobre o valor investido. No ano seguinte, o lucro por ação produzido por ela não é mais de R$ 1,00, mas R$ 1,12. E os dividendos pagos, agora, são de R$ 0,56. Em 10 anos, se as coisas seguissem dessa maneira, você estaria recebendo R$ 1,39 por ação – ou 13,9% sobre o investimento original. Isso significa que, a cada ano, sua rentabilidade sobre o investimento original sobe, ao ponto de, em pouco tempo, produzir um retorno muito superior à renda fixa.
Um leitor mais perspicaz poderia dizer que eu o estou enrolando, porque isso também ocorre na renda fixa. Afinal, a cada ano o rendimento produzido no ano anterior será incorporado ao valor total dos investimentos. Se o investimento em renda fixa produzir juros de 12% ao ano, e esses juros forem incorporados ao montante anterior, o resultado seria exatamente o mesmo! Afinal, os juros incorporados também gerariam juros – os famosos e tão desejados juros compostos!
É verdade. Mas há uma diferença fundamental entre o exemplo das ações e o da renda fixa. No exemplo que narrei, o investidor compraria ações uma única vez e não reinvistiria os dividendos. No caso da renda fixa, os juros seriam automaticamente reincorporados ao investimento, gerando resultado idêntico ao das ações. Em outras palavras, se o investidor que comprou as ações reinvestisse também os dividendos, seu resultado no longo prazo seria extremamente superior ao do investimento em renda fixa!
Vamos ver como isso funcionaria em um exemplo concreto: digamos que João investiu R$ 10.000,00 nas ações do exemplo que citei acima. Isso significa que ele comprou 1.000 ações por R$ 10,00 cada. No primeiro ano, ele teria recebido R$ 0,50 por ação, ou R$ 500,00 no total. Para facilitar as contas, vamos supor que as ações são sempre cotadas a um índice P/L igual a 10 vezes – ou seja, o preço de cada ação é igual a 10 vezes o lucro por ação. No segundo ano, o lucro por ação da empresa é igual a R$ 1,12 – e o seu preço, portanto, é de R$ 11,20. Com os R$ 500,00 que João ganhou de dividendos, ele pode comprar, agora, mais 44 ações da companhia. Agora, no total João tem 1.044 ações, que produzirão R$ 584,64 em dividendos. Se João não tivesse reinvestido os dividendos no ano anterior, ele receberia apenas R$ 560,00 em dividendos (R$ 0,56 por ação) – R$ 24,64 a menos. Parece pouco, mas faz uma diferença danada.
No final dos dez anos, para resumir a história, João teria 1.482 ações, ou 48,20% a mais do que tinha no início, e receberia, por ano, R$ 2.054,20 em dividendos. Isso equivaleria a um retorno de 20,54% sobre o capital inicialmente investido. Na renda fixa, ele estaria recebendo apenas 13,9% sobre o investimento inicial. Apesar disso, o dividend yield pago pela empresa a cada ano é de apenas 5%, muito inferior à renda fixa. Isso aconteceria porque, com o crescimento dos lucros e dos dividendos, o valor das ações também tenderia a se elevar no longo prazo. Para simplificar as coisas, eu supus que a relação entre o preço das ações e seu lucro é de 10 vezes. No final dos dez anos, a empresa produziria um lucro de R$ 2,77 por ação – e suas ações, portanto, teriam um valor de R$ 27,70 cada. Suas 1.482 ações agora valeriam R$ 41.051,40 – uma valorização total de 310% (ou 15,17% ao ano). Muito melhor que o investimento em renda fixa, cujo valor seria de R$ 31.058,48 no mesmo período, a uma taxa de 12% ao ano.
Fábio Portela L. Almeida é mestre em direito constitucional e mestrando em filosofia pela Universidade de Brasília e é um investidor desde 2006. Desde então, tem estudado sobre temas relacionados ao mercado como autodidata. As dificuldades encontradas para obter informações simplificadas e corretas sobre investimentos o levou a escrever o blog “O pequeno investidor“, que tem por objetivo ensinar a pequenos investidores, com uma linguagem clara e descomplicada, como funciona o mundo dos investimentos.