Colunistas ||| Preço de imóvel não cai ?
Muitos corretores de imóveis angariam clientes com a promessa de que esse investimento é seguro, isento de riscos, e tem a rentabilidade garantida. Com a crescente oferta de crédito a juros mais baixos que tem ocorrido no país desde 2003, o preço dos imóveis disparou a taxas “chinesas”, como é costume dizer hoje em dia. Com o aumento do crédito, as pessoas têm a disposição mais dinheiro para adquirir a tão sonhada casa própria. Com mais dinheiro no mercado, a demanda cresce mais forte do que a oferta, o que leva a uma escalada de preços. Esse panorama levou a uma valorização expressiva em várias cidades do país, cujos imóveis chegaram a ter uma rentabilidade de 20% ou 25% ao ano durante 4 ou 5 anos seguidos. À taxa de 25% ao ano, um imóvel que custasse R$ 100.000,00 em 2006 estaria valendo, hoje, aproximadamente R$ 244.000,00.
Essa valorização, contudo, não é sustentável eternamente. Os corretores e as construtoras, obviamente, não dirão isso a seus clientes. Muitos continuam alardeando que nos próximos anos teremos lucros idênticos ou maiores ainda ao longo dos próximos anos. A proposta é tentadora: afinal, o melhor da renda fixa, hoje, oferece uma rentabilidade próxima aos 11% (alguns títulos do tesouro direto), com sacrifício. A poupança, meros 6% ao ano, pouco além da inflação. Investir em imóveis, com uma rentabilidade superior a 20%, parece fantástico!
Mas nem tudo são flores. Assim como ocorre nas ações (e mesmo em determinados produtos de renda fixa), há flutuação de preços e o valor dos imóveis pode cair bruscamente, levando seu proprietário a ter rentabilidade negativa. Isso as construtoras não dizem. Pior ainda, como o investimento em um imóvel exige um capital volumoso, os prejuízos podem ser colossais. Imagine ter um apartamento de R$ 900.000,00 que perde 10% de seu valor em um ano. Isso significa um prejuízo de R$ 90.000,00! No mercado de ações, o impacto de uma queda dessas pode ser minorado pela desnecessidade de alocação maciça de capital. Se você tem R$ 10.000,00 em ações de uma empresa e elas sofrem uma queda de 50%, você só perdeu R$ 5.000,00. Se você tem um apê de R$ 900.000,00, a mesma queda equivaleria a R$ 450.000,00. São muitos ovos na mesma cesta!
Há aproximadamente um ano, escrevi no meu site, O pequeno investidor, sobre os riscos de que uma queda pudesse acontecer no mercado imobiliário, justamente pela situação a que me referi acima. O ritmo de crescimento era insustentável e, para demonstrar meu ponto, escrevi um artigo no qual demonstrei que o preço dos imóveis na minha cidade (Brasília), que é uma das que tem sofrido maior valorização em seus imóveis, estava totalmente descolado da realidade. Para provar este ponto, mostrei que a relação entre o preço dos imóveis e o aluguel cobrado neles estava muito abaixo da relação histórica de 6% ao ano. Essa média é importante porque, quando o valor dos aluguéis pagos em um ano é muito inferior a 6%, há uma indicação clara de que ou o valor do aluguel está muito baixo ou o preço dos imóveis está caro demais.
Para demonstrar que isso estava acontecendo em Brasília, selecionei, aleatoriamente, alguns imóveis do Plano Piloto (o “centro” da cidade) e calculei a relação entre o preço anunciado do aluguel e o valor anunciado de apartamentos similares na mesma localização. Como essa relação estava muito abaixo de 6%, conclui que estávamos diante de uma indicação bastante razoável de que vivíamos uma bolha. Seguem os dados colhidos naquele estudo:
Como você pode observar, havia um imóvel (SQS 216) cujo valor do aluguel correspondia a meros 2,77% do valor do imóvel. Para se ajustar aos 6% da média histórica, ou o aluguel subiria para R$ 7.500,00, ou o preço do imóvel cairia para R$ 600.000,00 (o que equivaleria a uma queda no valor de 64%. Ou seja, quem adquiriu um imóvel naquelas condições deveria estar preparado para sofrer algum prejuízo nos próximos anos, uma vez que a margem de segurança do investimento não existia. Pelo contrário, o que havia era uma grande margem de insegurança.
Esses dias, um ano depois, resolvi dar uma olhada em unidades residenciais similares ao desse primeiro estudo, para ver como o mercado imobiliário do Plano Piloto se comportou. Como não há uma base de dados sobre o tema nos órgãos oficiais, eu mesmo coletei os dados, a partir de imóveis anunciados no site WImóveis, que é muito utilizado pelos corretores da cidade. Para evitar uma distorção nos dados em decorrência das diferenças entre os imóveis de hoje e os do ano passado (como o estado de conservação do imóvel), extraí os dados aleatoriamente, com base na metragem dos apartamentos, no número de quartos e na localização (a mesma quadra e, quando possível, o mesmo bloco). Quando havia uma disparidade entre os preços de apartamentos similares, calculei o valor médio das unidades. Os novos dados foram os seguintes:
Para facilitar a base de comparação entre o primeiro estudo e o segundo, conjuguei os dados na seguinte tabela:
Que conclusões podemos tirar a partir daí?
A primeira conclusão é a de que, ao contrário do anunciado pelos corretores de imóveis e pelas construtoras, imóvel pode dar prejuízo sim. O preço dos imóveis, assim como o aluguel cobrado, pode flutuar bastante. E mesmo que a bolha não tenha estourado, já é possível notar que em pelo menos 50% dos imóveis examinados houve prejuízo no último ano. Os apartamentos da SQN 304, da SQN 309 e da SQN 316 tiveram, respectivamente, rentabilidade de -6%, -4,77% e -3,89%.
Por que a rentabilidade dessas unidades foi negativa? Por uma simples razão: nos três casos, o preço do imóvel caiu. O apartamento da SQN 304 estava avaliado em R$ 1.500.000 em 2009, mas hoje um apartamento similar pode ser encontrado por R$ 1.350.000,00, em média. Uma queda de 10% no preço do imóvel. Já os apartamentos da SQN 309 e da SQN 316, tiveram queda de 9% em seu preço – de R$ 870.000 para R$ 795.000 no primeiro caso, e de R$ 515.000 para R$ 470.000 no segundo. Repito que este não é um padrão observado em outras regiões do Distrito Federal, cujos imóveis ainda estão em crescente valorização. Mas já indica que os preços não podem e não irão subir para sempre.
Uma segunda conclusão que podemos extrair é que o valor dos aluguéis subiu muito acima da inflação do período. Mesmo os imóveis que apresentaram prejuízo tiveram um acréscimo importante nos aluguéis, acima de 12% ao ano. Uma única unidade teve o valor de aluguel diminuído, e uma outra teve valorização de 7% no valor do aluguel, abaixo da Selic, mas o padrão médio foi de valorização forte – em alguns casos, acima de 18%. Isso também é um sinal de bolha imobiliária, pois significa que a demanda pelo aluguel aumentou – ou seja, as pessoas estão mais interessadas em alugar um imóvel do que comprá-lo, o que puxa os preços de aluguel para cima (e os preços dos imóveis para baixo).
E mesmo assim, a subida dos preços de aluguel e a estabilização/queda que ocorreu no preço dos imóveis não foi suficiente para reestabelecer a relação entre o valor do aluguel e os preços em torno de 6%. Apenas o apartamento da SQN 316, que teve uma queda no seu preço de 9% e um acréscimo no aluguel de 18%, essa relação se aproximou dessa média, ficando em 5,11%. Nas demais unidades, esta relação ainda é inferior a 5%, chegando a meros 2,95% no apartamento da SQS 216. Em outras palavras, mesmo com a queda dos preços, o cenário ainda indica uma sobrevalorização excessiva.
Investimentos em imóveis são tão arriscados ou mais do que o investimento em outras classes de ativos. Existe o risco de queda no preço dos ativos, que normalmente não é percebido porque não há um índice que meça as negociações de imóveis pelas cidades, indicando a cada dia se houve alta ou baixa nos preços. Mas a cada dia, o Sr. Mercado avalia sua casa ou seu apartamento e atribui a ele um preço diferente, às vezes racional, e muitas vezes irracional. Na próxima vez que um corretor falar que os imóveis que está anunciando vão se valorizar, faça um favor a si mesmo e não se deixe enganar: faça as contas e veja se é mesmo um bom negócio.
Fábio Portela L. Almeida é mestre em direito constitucional e mestrando em filosofia pela Universidade de Brasília e é um investidor desde 2006. Desde então, tem estudado sobre temas relacionados ao mercado como autodidata. As dificuldades encontradas para obter informações simplificadas e corretas sobre investimentos o levou a escrever o blog “O pequeno investidor“, que tem por objetivo ensinar a pequenos investidores, com uma linguagem clara e descomplicada, como funciona o mundo dos investimentos.