Você conhece Jorge Guinle ?
Lendo o livro “O Mercado de Ações em 25 Episódios” vi a história de Jorge Guinle sendo citada, mais uma vez. Já havia visto em outras ocasiões mas não despertou “interesse”, deixei passar. Mas dessa vez não. 🙂
O que você diria de uma pessoa que recebe uma fortuna de herança, U$ 2 bilhões para ser mais exato – na época eram U$ 100 milhões (inflação meu amigo … inflação …), e acaba morrendo “pobre” ? “Sem nada” … comendo de favor … ? Sim, ele conseguiu essa façanha. Alega que errou nos cálculos, gastou mais do que devia e o dinheiro acabou antes da hora. Morreu aos 88 anos, mas a grana aos 75 …
É compreensível ? Para mim não, não consigo imaginar alguém com tanto dinheiro falindo. Mas com a vida que ele levava as coisas começam a ficar mais claras. Festas, festas e mais festas. Muitas festas. Jorge Guinle foi a personificação do termo playboy.
Leia a entrevista abaixo, feita em 2004, e conheça um pouco mais sobre essa figura que já se torna parte do folclore carioca. Mas acima de tudo, conheça sua história para não fazer igual. Ao menos a parte ruim. 😉
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“HOJE VIVO DE FAVOR”
“Nenhum playboy de hoje pode ser meu sucessor. Esses meninos, o Ricardo Mansur e o Alexandre Accioly, têm um grave defeito: eles trabalham“.
– Por Cristiano Dias, especial para a Revista AOL –
Era difícil disfarçar a alegria quando a notícia chegou. O exército alemão havia sido escorraçado de Paris, que estava finalmente livre. Bons vivants e playboys do mundo inteiro tinham todas as razões do mundo para se afogar em champanhe. A capital da boa vida estava novamente nas mãos da boemia. A guerra estava no fim. Enquanto Hitler socava a mesa da Chancelaria, em Berlim, uma turma resolveu dar uma festa do outro lado do Atlântico. Naquela noite de agosto de 1944, a socialite Elsa Maxwell, uma das mais badaladas dos Estados Unidos, reuniu os amigos em sua casa, em Los Angeles. A lista de convidados era digna da importância da comemoração. Os pianistas Cole Porter e Arthur Rubinstein incendiavam o salão com a Marselhesa. Ao lado do piano, Bing Crosby e Frank Sinatra esperavam a chance de dar uma canja. Maurice Chevalier papeava com Judy Garland e Humphrey Bogart distribuía olhares para a mulherada.
No meio de todos eles, bem pertinho de Marlene Dietrich, estava um brasileiro: Jorginho Guinle. Baixinho, disfarçava 1,63m sobre uma sola de sapato de dez centímetros que o deixava no mesmo nível de Greta Garbo. Já àquela altura, com 28 anos, Guinle podia se orgulhar de ser playboy, hoje um ofício em extinção.
Boa parte de seu charme vem dos olhos cor do mar, mas não fosse sua lábia irresistível não teria chegado ali. Era rico, mas não tinha tanto dinheiro como os Rockfeller ou os Vanderbilt. E daí? “O importante era parecer que tinha”, conta. Além do mais, era só alguém apresentá-lo como dono do Copacabana Palace e das Docas de Santos e pronto. Portas abertas.
Antes de ser endinheirado, Jorginho Guinle era esperto. Um milionário com jogo de cintura de malandro da Lapa, genuinamente brasileiro. Não usava chapéu de lado nem camisa listrada, mas seguia rigorosamente a constituição da malandragem quando o assunto era mulher. A coleção de namoradas era de dar inveja a Burt Lancaster. Pelos lençóis de Jorginho Guinle passaram Lana Turner, Hedy Lamarr, Verônica Lake, Jayne Mansfield, Rita Hayworth, Ava Gardner, Kim Novak e Romy Schneider. Com Marilyn Monroe foi caso de uma noite só. Com Ginger Rogers, só amizade. Dizem até que Janet Leigh deixou Tony Curtis na rua da amargura por causa dele. “Isso é um exagero”, garante Jorginho Guinle. Queridinho dos amigos Nelson Rockfeller e Alfred Bloomingdale, e íntimo das socialites Elsa Maxwell e Grace Vanderbilt, Jorginho ganhou tratamento vip dispensado pelos mais importantes donos de estúdios de cinema da época. Adorado por Jack Warner, chefão da Warner Brothers, freqüentava a casa de Louis Mayer, da MGM, e almoçava com Darryl Zanuck, dono da 20th Century Fox. Difícil dizer o que Guinle quis e não teve. Fanático por jazz, virou amigo pessoal de Louis Armstrong e de Dizzy Gillespie.
Pouca gente viveu a história do século passado tão de perto quanto ele.
Personalidades e acontecimentos se confundem tanto com sua vida que Guinle arrumou um jeito especial de referir-se ao século XX. “É o meu século”, diz. Se fosse americano, sua vida certamente teria virado um blockbuster, desses em que Leonardo di Caprio empresta seus olhos verdes para o papel de mocinho, milionário e malandro. Só que o dinheiro acabou. Hoje (2004), Jorginho vive com aposentadoria de 1.588 reais por mês e ainda tenta manter algum glamour graças à ajuda de amigos. Mora de favor no modesto apartamento de uma das ex-mulheres, Maria Helena, e se recupera de um aneurisma na aorta, que o deixou entre a vida e a morte em abril deste ano. Nesta entrevista, concedida no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, o maior playboy brasileiro de todos os tempos conta como um garoto nascido em Petrópolis se transformou num especialista na arte do far niente, uma espécie que tinha um único objetivo na vida, o de torrar dinheiro.
O sr. se lembra da sua primeira festa ?
Claro, a primeira vez a gente nunca esquece. Eu tinha 15 anos. Foi uma festa que meu pai deu para o Eduardo, que na época era o duque de Windsor (mais tarde Eduardo VIII, rei da Inglaterra, que abdicou do trono para viver um romance com a americana divorciada Wallis Simpson). Na época, ele era solteiro e se esbaldou na festa. Ficou louco pela mãe do Maneco Muller (jornalista e colunista social que trabalhou no Diário Carioca e na Última Hora). Maneco sempre repete essa história com maior orgulho. Foi uma festa incrível, dessas quenão tem mais hoje em dia. Aí, gostei da coisa e nunca mais parei.
Por que o sr. diz que não existem mais festas assim ?
Porque ninguém dá mais festas com aquelas latas de caviar de dois quilos, com fartura do melhor champanhe francês, talheres de prata e pratos de ouro maciço.
E como o sr. se enturmou com os figurões americanos ?
Muita gente vinha para o Brasil e ficava hospedada na nossa casa (um apartamento de 5.000 metros quadrados na Praia do Flamengo, esquina com Rua Tucumã) ou no Copacabana Palace. Aqui no Rio fui apresentado ao Roosevelt (Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos) e ao Rockfeller (Nelson Rockfeller, bilionário americano). Quando cheguei nos Estados Unidos, já conhecia muita gente importante e levava um monte de recomendações. Era só dizer que era um Guinle.
A família era conhecida por ser dona do Copacabana Palace e das docas de Santos, por onde passava toda exportação brasileira de café. Na época, o Brasil exportava 75% de todo café do mundo e diziam que a cada cinco cafezinhos vendidos no planeta, três iam para o meu bolso. Um exagero, naturalmente…
Mas o sr. não era tão rico quanto o Rockfeller, por exemplo. Isso era um problema ?
O importante não era a quantidade de dinheiro que você tinha, mas aparentar que tinha muito. Frequentar os lugares certos e conhecer as pessoas certas. Não adiantava nada ser milionário. Os donos de cadeias de supermercados, por exemplo, eram podres de ricos, mas eram tratados como ricos de segunda classe. Era importante ter classe, se apresentar como dono do Copacabana Palace, amigo do Rockfeller, de Jack Warner (chefão da Warner Brothers). Eu frequentava a casa do Louis Mayer (dono da MGM), do Darryl Zunick (fundador da 20th Century Fox). Isso ajudava muito.
E como o sr. chegou a Hollywood ?
Costumava passar temporadas de até oito meses na Europa com minha família, mas com a guerra (Segunda Guerra Mundial) troquei Paris por Nova York. Naquela época havia uma necessidade grande do governo americano de se aproximar do Brasil. Como conhecia muita gente, acabei indo trabalhar com o Rockfeller na Coordenação de Assuntos Interamericanos. Passei a guerra corrigindo gafes em roteiros de filmes, desses que colocam brasileiros falando espanhol. Me deram carta branca em Hollywood e acabei conhecendo todos os donos de estúdio. Tinha livre acesso aos sets de filmagem, passei a jogar golfe com Orson Welles e, claro, comecei a frequentar as festas. Mas na época, Hollywood era muito diferente…
O que era diferente ?
É que os estúdios controlavam a vida do artista. Diziam o que eles podiam fazer, quais filmes deveriam atuar. Seria inconcebível alguém chamado Arnold Schwazenegger trabalhar nessa época. Eles iriam logo mudar o nome dele para Arnold Scott ou qualquer coisa assim.
O sr. era um frequentador assíduo as cerimônias do Oscar…
Fui umas vinte vezes ao Oscar, mas no meu tempo era uma coisa totalmente diferente. Não tinha esse mis-en-scène todo que mostram hoje na TV. Eu sempre sentei nas primeiras filas, muitas vezes até na frente de estrelas como Elizabeth Taylor.
Mas como o sr. conseguia esses lugares ?
Eu era amigo do Bob Hope (comediante que apresentava o Oscar nos anos 50). A família dele detestava ver a cerimônia e Bob me dava os ingressos. Por isso eu ficava lá na frente, nos lugares reservados aos parentes dele.
E como o sr. chegou até as atrizes ?
Era dificílimo para qualquer um entrar nos sets, mas para mim não. Vi a gravação daquela cena antológica em que o Humphrey Bogart manda aquele pianista negro (o ator Dooley Wilson, que interpreta Sam) tocar As time goes by para Ingrid Bergman. Conheci todo mundo. Diretores, atores, compositores e as atrizes, é claro.
Era difícil dar em cima delas ?
Naquela época era muito mais fácil do que é hoje. Era só convidar para jantar, dançar coladinho e manter a taça da moça cheia de champanhe. A guerra foi um período conturbado, ninguém tinha certeza do que seria o dia de amanhã. Por isso, todo mundo era muito a fim de sexo.
Os namoros eram longos ?
Nem eram namoros. Às vezes, eu saía uma vez só com uma mulher, levava para jantar, ia para cama e no dia seguinte não acontecia mais nada.
Quem o sr. chegou a namorar ?
Um monte de mulheres: Veronica Lake, Lana Turner, Rita Hayworth, Kim Novak, Romy Schneider, Marilyn Monroe.
Como foi a história com Marilyn Monroe ?
Aconteceu bem antes de ela ficar famosa. O Howard Hughes (milionário produtor de filmes que trabalhou em Hollywood entre os anos 20 e 50) tinha uma mansão e um amigo dele costumava convidar várias meninas para umas festas nessa mansão. Todas chegavam de Cadillacs e Limousines. Primeiro a gente almoçava com elas, depois almoçava elas (risos).
Eram garotas de programa ?
Nos Estados Unidos existiam dois tipos de mulher: as call girls, que eram prostitutas comuns, e as party girls, que eram convidadas para as festas. Marilyn era uma party girl. O sujeito podia até dar em cima delas, mas elas só davam se gostassem de você. Faziam isso em troca de um presente, um agrado, uma joia, um vestido. A história com a Marilyn Monroe foi no começo da
carreira dela. Ela ainda se chamava Norma Jean. Tinha uns dez quartos no andar de cima da casa. Me lembro que a gente almoçou e subiu para os quartos. Depois dei uns 200 dólares para um cafetão para que ele comprasse alguma coisa para ela.
O Hughes levava algum ?
Não, não. Ele era podre de rico, não precisava disso. Ele só emprestava a casa. Ele comia todo mundo, mas já estava ficando velho e morria de inveja da farra. Ele olhava para mim e dizia, ‘Que merda, Jorginho, estou tão velho’. É que na época não tinham inventado o Viagra, sabe como é…
E qual dessas estrelas era a mais bonita ?
Ah, meu querido, era cada uma… a Hedy Lamarr era linda, Kim Novak também. A Jayne Mansfield tinha um corpo escultural!
E a Ginger Rogers ?
Ela era profundamente evangélica. Era crente mesmo. Na casa dela não tinha uma bebida sequer, mas ela era uma pessoa divertidíssima. Uma vez ela chegou para mim e disse que queria me ensinar uma dança nova. Aí colocou um twist que eu nunca tinha ouvido. Era Elvis Presley. Ela ainda me disse assim, ‘Jorginho, esse rapaz ainda vai estourar’. Veja você, minha professora de rock foi a Ginger Rogers!
E sexo ?
Com ela nunca tive nada. Ficamos bons amigos.
Nenhuma das namoradas tirou o senhor do sério ?
Olha, a Jayne Mansfield era a mais louca de todas. Ela era ninfomaníaca. Uma vez ela estava em Roma, eu em Nova York. Ela me ligou dizendo que estava voltando e que eu deveria apanhá-la no aeroporto com um Rolls Royce de um amigo. O carro era antigo, muito mais alto do que os outros carros. A sensação era parecida com a de estar numa picape, hoje em dia. Ela entrou no carro e ficou muito excitada com essa coisa da altura. Virou para mim e disse ‘Jorginho, vou … você’. Foi um pouco constrangedor porque o motorista estava no banco da frente. Imagine só, aquele mulherão de joelhos e eu vendo as pessoas passarem lá fora…
Mas entre tantas mulheres, não teve nenhuma que o balançou de verdade ?
Sinceramente, não. Não sou homem de me apaixonar. Gostava das festas, de sair, de me divertir…
E a Rita Hayworth ?
Essa bebia muito. Quando namoramos, ela já não estava muito bem. Tomava todas.
É verdade que a Janet Leigh largou o Tony Curtis por sua causa ?
Ela o deixaria de todo jeito. Não foi bem assim…
O sr. nunca levou um fora ?
Já, mas com classe. Uma vez eu convidei uma paquera antiga para passar o carnaval comigo no Rio. Ela me respondeu educadamente que não poderia vir porque estava sendo coroada rainha da Dinamarca (risos)!
Quem era ela ?
Olha, isso faz muito tempo. Foi bem antes da Guerra. Não me lembro nem o nome dela. (Provavelmente, Jorginho se refere à princesa sueca Ingrid Margareta que conheceu na década de 30. Ela se casou em 1935 com o príncipe Frederik, herdeiro do trono dinamarquês).
Qual era sua cantada preferida ?
Não fazia muito rodeio, não. O convite para jantar já deixava implícito que a gente estava dando em cima de alguém. Uma vez chamei uma atriz para jantar. Ela me apareceu elegante, vestida com chapéu e tudo. Eu tinha um apartamento muito bonito e propus tomarmos um drinque antes de sair. Ela virou para mim e disse ‘Jorginho, nós vamos sair, você vai dar em cima de mim e nós vamos acabar na cama. Vamos fazer uma coisa, a gente transa agora e sai depois’.
Quem era ?
Não me lembro mais o nome. Era uma atriz do segundo time. Mas era um segundo time de primeira!
Quer dizer que não precisava nem de cantada ?
Se o sujeito que saía com dez mulheres, levava para cama pelo menos quatro. Com as que não transavam, a gente não saía mais e ficava tudo bem.
Não tinha nenhuma que fazia um gênero mais intelectual ?
A Hedy Lamarr. Ela era austríaca e entendia de pintura, de filosofia e conhecia arte profundamente. Quando namoramos, ela queria um quadro do Rothko (Mark Rothko, pintor americano) que custava 2 mil dólares. Foi uma pena porque eu estava sem dinheiro na época e hoje o quadro vale mais de um milhão de dólares.
Estava sem dinheiro ?
No final dos anos 50, o dinheiro já estava rareando. Às vezes a família fechava um negócio e o dinheiro aparecia. Ele vinha em ciclos. Mas nessa época já não dava mais para esbanjar. Foi o que aconteceu com Hedy Lamarr. Nesse caso, geralmente eu inventava uma desculpa e dizia que tinha de voltar pro Brasil e desaparecia.
Quem eram seus parceiros de farra ?
Geralmente eram filhos de industriais e empresários que tinham herdado fortunas de 20 ou 30 milhões de dólares. Gente como o Henry Ford Jr (neto de Henry Ford), Alfred Bloomingdale (dono da loja de departamentos e criador do cartão de crédito), Grace Vanderbilt (socialite mais badalada de Nova York e filha do milionário Cornelius Vanderbilt). Todos os homens eram uns dez anos mais velhos do que eu. Nenhum deles se interessava por nada. Só queriam saber de comer o maior número possível de mulheres.
Mas esses trabalhavam. E os playboys profissionais ?
Bom, tinha o Porfírio Rubirosa, que era dominicano. O pai dele era o melhor amigo do general Trujillo (Rafael Trujillo, ditador da República Dominicana entre 1930 e 1961). Conheci o Porfírio em Paris. Ele tinha muito mais dinheiro do que eu e ainda por cima acabou casando com a Doris Duke, que era uma das mulheres mais ricas dos Estados Unidos. Outro amigo era o Ali Khan, filho do Aga Khan, chefe da tribo dos ismaelitas (uma corrente do islamismo). Esse também era cheio da grana. O pai era um cara muito esperto. A religião dele não permitia beber álcool, mas o velho dizia que quando colocava bebida na boca, ela se transformava em água.
O sr. conheceu o velho Aga Khan ?
Conheci através do Ali, que vivia para torrar o dinheiro do pai. A diferença dele para mim é que, por mais que o Ali quisesse, não conseguiria acabar com a fortuna da família.
E os outros playboys brasileiros ?
Não eram tantos assim. Me lembro do Baby Pignatari, que era uma espécie de Chiquinho Scarpa de São Paulo. O Baby era um cara engraçado porque trabalhava durante sete anos, ia para a fábrica todo dia, se reunia com os operários e tudo mais. Aí, durante os sete anos seguintes, só curtia. Sete anos depois, voltava a trabalhar. Parecia praga do Egito!
O sr. tem algum sucessor a altura ?
Não. Não existe mais o clima para essas coisas. É como se hoje alguém tentasse construir de novo o Palácio de Versalhes. Nenhum playboy de hoje pode ser meu sucessor. Esses meninos, o Ricardo Mansur e o Alexandre Accioly têm um grave defeito: eles trabalham. Além disso, andam com as meninas daqui. Para ser como eu, teriam de namorar a Nicole Kidman ou a Julia Roberts.
O sr. tem alguma ideia de quanto torrou em dinheiro ?
Eu nunca gostei de falar de dinheiro. Meu negócio sempre foi gastar. Já vi gente dizendo que foram 20 milhões de dólares, mas eu nunca fiz essa conta. Freqüentemente as pessoas acham que fui eu quem acabou com a fortuna da família.
Não é verdade ?
De jeito nenhum! A fortuna do meu avô, em valores corrigidos, era de mais ou menos uns dois bilhões de dólares. Esse dinheiro foi todo para o ralo, mas quem começou a torrar tudo foi a geração do meu pai, que construía palácios e mandava a família passar oito meses na Europa.
Nunca pensou em investir em alguma coisa ?
Nunca me passou pela cabeça que viveria tanto. Achei que fosse morrer com uns 75 anos e estou com 87. Calculei mal e gastei tudo antes da hora. Hoje vivo com uma aposentadoria de 1.588 reais e almoço de favor aqui no Copacabana Palace. Nunca tive jeito para negócios. Uma vez o (Alfred) Bloomingdale me contou que estava pensando em criar o Diners Club (que veio a se tornar o primeiro cartão de crédito do mundo). Na mesma hora eu disse a ele: ‘você é louco, isso nunca vai funcionar’! Tá vendo? Eu não levo jeito para a coisa!
Como o sr. conseguiu esta aposentadoria de 1.588 reais ?
Trabalhei na companhia de seguros da família. Mas só batia ponto. Fiquei uns 30 anos na folha de pagamento da empresa, mas mal aparecia lá. Para dizer a verdade, é uma tremenda injustiça porque muita gente que trabalhou muito mais do que eu e ganha uma miséria. Mas, naquela época, se sua família tinha uma fortuna, você ia trabalhar para quê? Hoje, vivo com muito pouco dinheiro e graças à ajuda de amigos.
Quem o ajuda ?
Olha só o pessoal aqui do Copacabana Palace, por exemplo. Eles gostam muito de mim e me convidam para comer no restaurante daqui. Como estou pobre, apareço para almoçar. Quem não gostaria de comer de graça no Cipriani?
Há quanto tempo o sr. não viaja para fora do Brasil ?
Estive em Nova York há dois anos, mas só porque fui convidado para um evento. Na Europa não vou há mais de 15 anos.
E seus filhos entendem essa situação ?
Olha, é natural que haja certa revolta, mas acho que no fundo eles entendem. Não há motivo para eles questionarem a vida que tive.
O sr. teve um filho gay, Jorge Guinle Filho, que morreu de Aids em 1987, aos 40 anos. Como era sua relação com ele ?
Nos dávamos muito bem. Ele era assumido. Um dia ele chegou para mim e me contou que era gay. Minha reação foi a mais natural do mundo. Respondi que ele era um cara de sorte porque estava bem acompanhado de Leonardo da Vinci, Michelangelo e outros tantos grandes nomes que também eram homossexuais.
O sr. gosta de futebol ?
Gosto, mas não sou fanático. Mesmo porque sou tricolor e se fosse fanático, com a fase do Fluminense…
E de carnaval ?
Adoro. Sempre da permissividade sexual, da atmosfera que excita as pessoas, da euforia no ar. Gostava do Cordão do Bola Preta (bloco de rua carioca), das Grandes Sociedades, do carnaval de rua. Me lembro que fui ao primeiro baile do Municipal do Rio de Janeiro, com 16 anos…
Carnaval e sexo aos 16 anos… Quando foi afinal sua primeira experiência sexual ?
Com 15 anos.
Como foi ? Como era na época ?
Havia dois tipos de meninas. As meninas de família e as prostitutas. Para beijar a mão das meninas de família demorava seis meses. Então, a primeira vez era sempre com as prostitutas.
Era o pai que levava ?
De jeito nenhum! Naquela época não se falava dessas coisas com os pais. Os encontros eram sempre promovidos pelos amigos.
Do que o sr. sente mais falta: mulheres, juventude ou dinheiro ?
De tudo isso junto. Mas ainda estou bem vivo e tem o Viagra, que me dá uma força. Eu sou um homem do século passado, com muito orgulho. Hoje em dia tudo ficou muito pior. Acabou a cultura, acabou a arte, acabou o jazz. A música hoje é uma droga. É só esse negócio de disk-jockey, musica eletrônica… A dança também piorou. Antigamente, a gente dançava de rostinho colado, cheek to cheek. Você ficava excitado e a mulher sentia. Hoje, a mulher fica de um lado, o homem do outro, fazendo assim (balançando os braços)… Não faz o menor sentido. Acabou o glamour. O grande século foi o século XX.
Mas algumas coisas melhoraram. Antigamente, levava-se 15 dias para chegar à Europa de navio. Hoje são só 12 horas de avião…
Que nada! No meu século existia o Concorde, que fazia essa viagem em seis horas. Até isso não existe mais. O século XX foi o século do cinema, do homem na lua, do telefone. Não tinha essa porcaria de celular…
O sr. não tem celular ?
Não, acho horrível! Só veio para atrapalhar a vida do cidadão. O celular toca nas horas mais inconvenientes, no meio de um concerto, no cinema, num motel…
Mas e o Viagra do qual o sr. falou ?
Outra invenção do século passado!
O sr. toma frequentemente ?
Ele ajuda bastante. Mas sexo hoje só com as moças desses cabarés da vida. Sabe como é, dão muito menos trabalho…
O sr. tem algum arrependimento ?
Não. Só lamento não ter tido mais dinheiro para gastar.